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Leis Macroeconômicas Existem?

Este texto fora originalmente publicado no dia 7 de janeiro de 2022, no jornal Valor Econômico, em versão impressa e digital.


Macroeconomistas trabalham com modelos. Na visão da filósofa Nancy Cartwright, modelos macroeconômicos representam máquinas nomológicas — máquinas que revelam leis.

A obra de Cartwright, conjuntamente a um dos modelos de “search-and-matching” desenvolvidos por Christopher Pissarides — e por ela considerado uma máquina nomológica exemplar —, compõem o navio no qual embarca Kevin D. Hoover em “The Methodology of Empirical Macroeconomics”, para o destrinche do infindável oceano em que toma forma, à luz da filosofia, uma verdadeira odisseia da macroeconomia e do método. O livro, originalmente publicado em 2001 pela Cambridge University Press, tornou-se objeto de discussão recente no meio econômico.

Afinal, leis macroeconômicas existem? Ao menos nominalmente, sim: lei de Engel, de Okun, de Gresham, de Walras e de Say; do preço único, dos rendimentos decrescentes e da demanda. Apenas nomes, contudo, não solucionam o problema. Permanece a questão: tais leis realmente existem?

Concebendo a definição clássica de Hume para leis científicas como verdades universalmente generalizáveis, Hoover discute a fragilidade epistemológica das leis naturais. Desnuda, por exemplo, a noção da física como modelo de certeza científica, evidenciando-a como, em certa medida, também alicerçada sob hipóteses simplificadoras e circunstâncias ideais.

Condições ceteris paribus não se restringem à economia. Hoover ressalta como, de fato, filósofos da ciência têm argumentado que a física, em essência, assemelha-se mais à economia do que popularmente imagina-se — menos por quaisquer certezas (de fato, inexistentes) da economia do que por inúmeras incertezas manifestas na física.

A fragilidade epistemológica da “impossibilidade existencial” de leis macroeconômicas forneceu a notáveis economistas a carta branca da qual necessitavam para, apesar de não diretamente dedicados à filosofia ou à pura metodologia, perseguirem — conscientemente ou não — a crença de que leis macroeconômicas talvez possam existir.

Visualizando em modelos econômicos possíveis máquinas nomológicas, Robert Lucas Jr., por exemplo, defendera que o entendimento dos ciclos econômicos requereria a construção de modelos macroeconômicos no mais literal sentido: economias artificiais, completamente articuladas, que simulem o comportamento de séries temporais observadas em economias reais. Posteriormente, Finn Kydland e Edward Prescott maturaram a agenda na forma dos modelos de ciclos reais de negócios, que terminariam por originar os modernos modelos dinâmicos estocásticos de equilíbrio geral.

A obra explora como debates próprios à agenda limitaram o escopo das possíveis representações do “conceito nomológico” de Cartwright. A famosa Crítica de Lucas conduzira importantes macroeconomistas como Lars Peter Hansen e Thomas Sargent a defenderem a microfundamentação da macroeconomia como condição sine qua non à ciência macroeconômica.

Hoover reflete como o problema de reduzir a macro à micro se traduz, do ponto de vista filosófico, a um problema de reducionismo; e como esse tipo de problema não se limita à economia. Com maestria interdisciplinar, ilustra problemas semelhantes na física, biologia e neurociência, demonstrando-os como tão complexos quanto seus equivalentes econômicos.

Fato é que agregações nas quais a macroeconomia é perfeitamente reduzida à microeconomia viabilizam-se apenas em circunstâncias teóricas tão restritivas que nunca poderiam ser verificadas no mundo real, sendo quase certo — conforme crê Hoover — que nenhuma microfundamentação genuína poderá jamais ser fornecida à macroeconomia sem que sejam necessárias concessões ao nível macro na forma de suposições micro.1

Estaria a macroeconomia comprometida? Depende. O grau de criticidade desses problemas é função da perspectiva filosófica que se adota. Hoover navega do indutivismo clássico ao empirismo lógico; do falsificacionismo ao historicismo; do realismo ao instrumentalismo; do fundamentalismo ao pragmatismo; do retoricismo à antimetodologia.

Termina por assumir-se um pragmata: concebe a possibilidade existencial de leis macroeconômicas, mas julga pouco importante a questão. Crê que a macroeconomia sobrevém à microeconomia, mas não é a ela redutível.

Aos que se acanhem diante da estranheza de tais perspectivas, a leitura do livro representará um grande passo. A obra oferece uma síntese sui generis de múltiplas vertentes filosóficas e científicas; uma verdadeira odisseia por uma miríade de problemas teóricos intelectualmente estimulantes e suficientemente concretos para interessarem não apenas a entusiastas da abstração, como também a praticantes da macroeconomia.


Valor Econômico


  1. Ver, por exemplo, a Seção 1 de “Macroeconomics with Heterogeneity: A Practical Guide” para uma discussão teórica apropriada sobre agregação em macroeconomia.